Oi, pessoal. Há 10 dias, lemos um conto de Clarice Lispector aqui, para nos aproximarmos desta autora. Hoje, faremos exercícios sobre fragmentos de alguns de seus textos.
Roteiro de hoje (dia 22/150):
1) Resolver os exercícios propostos, para entender mais da obra desta autora e se interessar pela leitura de seus contos e romances.
Bom trabalho aí!
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1) Leia o seguinte texto para responder à questão:
Declaração de amor
Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. […] A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la – Como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes a galope. Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo em minhas mãos. E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança de língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não fale do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria. inglês, que é preciso e belo. Mas, como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.
(LISPECTOR, C. A descoberta do mundo Rio de Janeiro Rocco, 1999 (adaptado))
O trecho em que Clarice Lispector declara seu amor pela língua portuguesa, acentuando seu caráter patrimonial e sua capacidade de renovação, é
A) “A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve.”
B) “Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança de língua já feita.”
C) “Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.”
D) “Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada.”
E) “Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.”
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2) Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou. [...]
Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré- história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos – sou eu que escrevo o que estou escrevendo. [...] Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.
Como eu irei dizer agora, esta história será o resultado de uma visão gradual – há dois anos e meio venho aos poucos descobrindo os porquês. É visão da iminência de. De quê? Quem sabe se mais tarde saberei. Como que estou escrevendo na hora mesma em que sou lido. Só não inicio pelo fim que justificaria o começo – como a morte parece dizer sobre a vida – porque preciso registrar os fatos antecedentes.
(LISPECTOR, C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998 (fragmento).
A elaboração de uma voz narrativa peculiar acompanha a trajetória literária de Clarice Lispector, culminada com a obra “A hora da estrela”, de 1977, ano da morte da escritora. Nesse fragmento, nota-se essa peculiaridade porque o narrador
A) observa os acontecimentos que narra sob uma ótica distante, sendo indiferente aos fatos e às personagens.
B) relata a história sem ter tido a preocupação de investigar os motivos que levaram aos eventos que a compõem.
C) revela-se um sujeito que reflete sobre questões existenciais e sobre a construção do discurso.
D) admite a dificuldade de escrever uma história em razão da complexidade para escolher as palavras exatas.
E) propõe-se a discutir questões de natureza filosófica e metafísica, incomuns na narrativa de ficção.
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3) Leia com atenção os seguintes excertos de contos do livro Laços de Família, de Clarice Lispector:
"Mas ninguém poderia adivinhar o que ela pensava. E para aqueles que junto da porta ainda a olharam uma vez, a aniversariante era apenas o que parecia ser: sentada à cabeceira da mesa imunda, com a mão fechada sobre a toalha como encerrando um cetro, e com aquela mudez que era a sua última palavra." ("Feliz aniversário")
"Olhando os imóveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto – ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer compras ou levar objetos para consertar, cuidando do lar e da família à revelia deles." ("Amor")
Em ambos os excertos destaca-se um dos temas estruturadores do livro Laços de Família, já que nele a autora
a) explora o imaginário feminino, cuja natureza idealizante liberta a mulher de qualquer preocupação existencial.
b) denuncia o conformismo burguês da mulher, fazendo-nos ver que seus inúteis devaneios a afastam da realidade.
c) satiriza a hipocrisia dos laços familiares, propondo em lugar deles a harmonia de um mundo politicamente mais aberto e mais democrático.
d) desvela as tensões entre o universo íntimo e complexo da mulher e as condições objetivas do cotidiano em que ela deve desempenhar seu papel.
e) revela a solidez íntima da mulher, mais preparada para o sucesso das relações familiares do que o homem, obcecado por valores materiais.
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4) A tentação é comer direto da fonte. A tentação é comer direto na lei. E o castigo é não querer mais parar de comer, e comer-se a si próprio que sou matéria igualmente comível.
(LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995)
O romance “A Paixão Segundo G. H”. é a tentativa de dar forma ao inenarrável, esbarrando a todo momento no limite intransponível das palavras. Tal paradoxo, vale dizer, é o que funda toda literatura clariciana.
(ROSENBAUM, Y. No território das pulsões. In: Clarice Lispector. Cadernos de Literatura Brasileira. Instituto Moreira Salles. Edição Especial, cadernos 17 e 18, dez. 2004, p. 266.)
A repetição de palavras é um dos traços constantes na obra de Clarice Lispector e remete à impossibilidade de descrever a experiência vivida. A repetição de “comer”, no trecho citado, sugere:
a) União de significados contrários realizados para reforçar o sentido da palavra.
b) Realce de significado obtido pela gradação de diferentes expressões articuladas em sequência.
c) Ausência de significação em consequência do acréscimo de novas expressões relacionadas em cadeia.
d) Equívoco no emprego do verbo em consequência do acúmulo de significados relacionados em sequência.
e) Uniformidade de sentido expressa pela impossibilidade de transformação do significado denotativo do verbo.
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5) A partida de trem
Marcava seis horas da manhã, Angela Prain pagou o táxi e pegou sua pequena valise, Dona Maria Rita de Alvarenga Chagas Souza Melo desceu do Opala da filha e encaminharam-se para os trilhos. A velha bem vestida e com joias. Das rugas que a disfarçavam saía a forma pura de um nariz perdido na idade, e de uma boca que outrora devia ter sido cheia e sensível. Mas que importa? Chega-se a um certo ponto — e o que foi não importa. Começa uma nova raça. Uma velha não pode comunicar-se. Recebeu o beijo gelado de sua filha que foi embora antes do trem partir. Ajudara-a antes a subir no vagão. Sem que neste houvesse um centro, ela se colocara do lado. Quando a locomotiva se pôs em movimento, surpreendeu-se um pouco: não esperava que o trem seguisse nessa direção e sentara-se de costas para o caminho.
Angela Pralini percebeu-lhe o movimento e perguntou:
-A senhora deseja trocar de lugar comigo?
Dona Maria Rita se espantou com a delicadeza, disse que não, obrigada, para ela dava no mesmo, Mas parecia ter-se perturbado. Passou a mão sobre o camafeu filligranado de ouro espetado no peito, passou a mão pelo broche. Seca. Ofendida? Perguntou afinal a Angela Pralini:
– É por causa de mim que a senhorita deseja trocar de lugar?
(LISPECTOR, C. Onde estiveste de noite. Rio de Janeiro. Nova Fronteira.)
A descoberta de experiências emocionais com base no cotidiano é recorrente na obra de Clarice Lispector. No fragmento, o narrador enfatiza o(a):
a) comportamento vaidoso de mulheres de condição social privilegiada.
b) anulação das diferenças sociais no espaço público de uma estação.
c) incompatibilidade psicológica entre mulheres de gerações diferentes.
d) constrangimento da aproximação formal de pessoas desconhecidas.
e) sentimento de solidão alimentado pelo processo de envelhecimento.
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6) Os filhos de Anna eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. (LISPECTOR, C. Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.)
A autora emprega por duas vezes o conectivo mas no fragmento apresentado. Observando aspectos da organização, estruturação e funcionalidade dos elementos que articulam o texto, o conectivo “mas”
a) expressa o mesmo conteúdo nas duas situações em que aparece no texto.
b) quebra a fluidez do texto e prejudica a compreensão, se usado no início da frase.
c) Ocupa posição fixa, sendo inadequado seu uso na abertura da frase.
d) Contém uma ideia de sequência temporal que direciona a conclusão do leitor.
e) Assume funções discursivas distintas nos dois contextos de uso.
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